Construcionando VI - Práticas Dialógicas em Situações Desafiadoras Por Helena Maffei
Nos dias 19 e 20 deste mês, realizamos o Construcionando VI, um evento bienal criado em 2008 pela equipe de professores do Instituto Noos, no Rio de Janeiro, para reunir psicólogos, educadores, psiquiatras, assistentes sociais e outros profissionais das áreas de serviços humanos dirigidos a famílias, grupos e redes, que compartilham de abordagens conhecidas como pós-modernas da psicologia, em especial o construcionismo social.
O construcionismo social é uma teoria crítica que implica a postura de considerar todas as teorias como discursos criados historicamente, em diferentes sociedades, não falsos ou verdadeiros mas, sim, mais ou menos úteis para circunstâncias diversas. Essa premissa gera a compreensão de que a maneira de cada um estar no mundo é construída nos relacionamentos significativos de sua vida, começando, via de regra pelo relacionamento na família de origem, o que pode ser generalizado pela afirmação de que o significado é constituído nas relações, na linguagem, que não representa, mas cria a realidade.
Assim, o tema do Construcionando VI foi Práticas Dialógicas em Situações Desafiadoras. Nosso palestrante convidado para a abertura do evento, Ottar Ness, da Universidade de Trondheim, na Noruega, ao discorrer sobre a superação relacional na saúde mental, abuso de drogas e nas práticas de ajuda em situações que consideramos desafiadoras à nossa capacidade de diálogo, focou na importância terapêutica da postura respeitosa do profissional, e isto vai desde como o cliente é atendido ao entrar no local, como o trabalho é apresentado, como as condições são negociadas, apontando para micro-agressões, muitas vezes imperceptíveis, seja pelo uso de jargão profissional incompreensível, modos de falar de um lugar de autoridade até a falta de atenção a questões que, do ponto de vista do profissional, são irrelevantes.
Buscando coerência entre a proposta teórica e o processo do encontro, após cada fala dos convidados, membros da comissão organizadora faziam comentários e perguntas sobre o que havia chamado mais atenção, sempre em uma fala situada, trazendo relações com a prática.
Com o intuito primordial de construir coletivamente, um dos pontos fortes do evento foram as rodas de conversas entre os cerca de 150 participantes, divididos em grupos com facilitadores para potencializar as trocas de experiências, que depois foram compartilhadas com todos os presentes.
Na tarde de sexta dois trabalhos, colaborativos e dialógicos, com portadores de esquizofrenia foram apresentados: um pelo Grupo de Acolhimento do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP, realizado na Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia – ABRE, mostrando que não configuram mais uma das terapias que, embora importantes, acabam por ocupar todo tempo do usuário dos serviços psiquiátricos focado na doença. E o outro por um grupo coordenado por 3 alunos do 5º ano de psicologia da USP Ribeirão Preto, realizado em um Centro de Atenção Psicossocial – CAPS, com usuários desse serviço com diagnóstico de esquizofrenia denominado Grupo de Ouvidores de Vozes – pessoas com diagnóstico de esquizofrenia que, mesmo atendidos e medicados, não deixam de ouvir vozes, fenômeno muito perturbador que a psiquiatria tradicional procura fazer desaparecer, mas não ouve o como, quando e que características tem, dados específicos de cada pessoa.
Os dois grupos apresentaram abordagens alternativas, caracterizadas pela escuta respeitosa e interessada, decorrentes da postura de “não saber” isto é, não ouvir o cliente desde um lugar de saber teórico geral, a priori, sobre o significado do singular do fenômeno para cada pessoa.
No sábado a tarde, um trabalho cuidadoso sobre uma situação extremamente delicada de mulheres grávidas a partir de um estupro, que optam por não abortar e nem entregar o bebê para adoção, duas situações previstas por lei e acompanhadas por psicólogos. Na opção de tornar-se mãe desse bebê, entende-se que a mulher deve passar ao pré-natal comum. As ambiguidades, medos e fantasias assustadoras que surgem não encontram espaço de acolhimento. O grupo de acolhimento foi coordenado por psicóloga do programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília. Como os anteriores, uma prática corajosa e delicada, consistente com os princípios do construcionismo social, enfatizando a importância da pesquisa-ação como modalidade de atividade acadêmica de relevância social.
Os aprendizados aconteceram pela participação integral de todos – cabeça e coração. A experiência de aprender com pessoas convidadas a partir de seus artigos publicados na revista Nova Perspectiva Sistêmica (assine agora!) demonstrou a necessidade dos profissionais da prática escreverem suas experiências articulando-as com seu conhecimento teórico, para que estas não fiquem reduzidas ao pequeno delas participante.
Por uma feliz coincidência, o Construcionando VI realizou-se a uma semana de uma eleição que traz preocupações a nós que pretendemos praticar e difundir acolhimento e inclusão acendeu uma luz de esperança e coragem: é possível trabalhar na brecha do academicismo exagerado, do serviço estereotipado, da desconfiança no experimental.
Como disse um dos apresentadores: “atendemos na Faixa de Gaza”. Vamos alargá-la?
Nos dias 19 e 20 deste mês, realizamos o Construcionando VI, um evento bienal criado em 2008 pela equipe de professores do Instituto Noos, no Rio de Janeiro, para reunir psicólogos, educadores, psiquiatras, assistentes sociais e outros profissionais das áreas de serviços humanos dirigidos a famílias, grupos e redes, que compartilham de abordagens conhecidas como pós-modernas da psicologia, em especial o construcionismo social.
O construcionismo social é uma teoria crítica que implica a postura de considerar todas as teorias como discursos criados historicamente, em diferentes sociedades, não falsos ou verdadeiros mas, sim, mais ou menos úteis para circunstâncias diversas. Essa premissa gera a compreensão de que a maneira de cada um estar no mundo é construída nos relacionamentos significativos de sua vida, começando, via de regra pelo relacionamento na família de origem, o que pode ser generalizado pela afirmação de que o significado é constituído nas relações, na linguagem, que não representa, mas cria a realidade.
Assim, o tema do Construcionando VI foi Práticas Dialógicas em Situações Desafiadoras. Nosso palestrante convidado para a abertura do evento, Ottar Ness, da Universidade de Trondheim, na Noruega, ao discorrer sobre a superação relacional na saúde mental, abuso de drogas e nas práticas de ajuda em situações que consideramos desafiadoras à nossa capacidade de diálogo, focou na importância terapêutica da postura respeitosa do profissional, e isto vai desde como o cliente é atendido ao entrar no local, como o trabalho é apresentado, como as condições são negociadas, apontando para micro-agressões, muitas vezes imperceptíveis, seja pelo uso de jargão profissional incompreensível, modos de falar de um lugar de autoridade até a falta de atenção a questões que, do ponto de vista do profissional, são irrelevantes.
Buscando coerência entre a proposta teórica e o processo do encontro, após cada fala dos convidados, membros da comissão organizadora faziam comentários e perguntas sobre o que havia chamado mais atenção, sempre em uma fala situada, trazendo relações com a prática.
Com o intuito primordial de construir coletivamente, um dos pontos fortes do evento foram as rodas de conversas entre os cerca de 150 participantes, divididos em grupos com facilitadores para potencializar as trocas de experiências, que depois foram compartilhadas com todos os presentes.
Na tarde de sexta dois trabalhos, colaborativos e dialógicos, com portadores de esquizofrenia foram apresentados: um pelo Grupo de Acolhimento do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP, realizado na Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia – ABRE, mostrando que não configuram mais uma das terapias que, embora importantes, acabam por ocupar todo tempo do usuário dos serviços psiquiátricos focado na doença. E o outro por um grupo coordenado por 3 alunos do 5º ano de psicologia da USP Ribeirão Preto, realizado em um Centro de Atenção Psicossocial – CAPS, com usuários desse serviço com diagnóstico de esquizofrenia denominado Grupo de Ouvidores de Vozes – pessoas com diagnóstico de esquizofrenia que, mesmo atendidos e medicados, não deixam de ouvir vozes, fenômeno muito perturbador que a psiquiatria tradicional procura fazer desaparecer, mas não ouve o como, quando e que características tem, dados específicos de cada pessoa.
Os dois grupos apresentaram abordagens alternativas, caracterizadas pela escuta respeitosa e interessada, decorrentes da postura de “não saber” isto é, não ouvir o cliente desde um lugar de saber teórico geral, a priori, sobre o significado do singular do fenômeno para cada pessoa.
No sábado a tarde, um trabalho cuidadoso sobre uma situação extremamente delicada de mulheres grávidas a partir de um estupro, que optam por não abortar e nem entregar o bebê para adoção, duas situações previstas por lei e acompanhadas por psicólogos. Na opção de tornar-se mãe desse bebê, entende-se que a mulher deve passar ao pré-natal comum. As ambiguidades, medos e fantasias assustadoras que surgem não encontram espaço de acolhimento. O grupo de acolhimento foi coordenado por psicóloga do programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília. Como os anteriores, uma prática corajosa e delicada, consistente com os princípios do construcionismo social, enfatizando a importância da pesquisa-ação como modalidade de atividade acadêmica de relevância social.
Os aprendizados aconteceram pela participação integral de todos – cabeça e coração. A experiência de aprender com pessoas convidadas a partir de seus artigos publicados na revista Nova Perspectiva Sistêmica (assine agora!) demonstrou a necessidade dos profissionais da prática escreverem suas experiências articulando-as com seu conhecimento teórico, para que estas não fiquem reduzidas ao pequeno delas participante.
Por uma feliz coincidência, o Construcionando VI realizou-se a uma semana de uma eleição que traz preocupações a nós que pretendemos praticar e difundir acolhimento e inclusão acendeu uma luz de esperança e coragem: é possível trabalhar na brecha do academicismo exagerado, do serviço estereotipado, da desconfiança no experimental.
Como disse um dos apresentadores: “atendemos na Faixa de Gaza”. Vamos alargá-la?